Protestos registrados em SP e em outras cidades representam uma retomada de protagonismo nas lutas populares
Eduardo Enomoto/ R7
As seis manifestações realizadas até agora em São Paulo, e que se
espalharam pelo Brasil, revelam uma retomada dos estudantes às movimentações
sociais, na opinião de especialistas. Iniciados a partir da decisão da
Prefeitura de São Paulo de aumentar a tarifa do ônibus de R$ 3 para R$ 3,20,
inicialmente impulsionados pelo MPL (Movimento Passe Livre), e disseminados
pelo País com solicitações contra o valor das passagens praticado no transporte
público, movimentos estudantis estão nas ruas, mais uma vez no papel de
protagonistas de grandes mobilizações.
A coordenadora de ciências sociais da Universidade Metodista, Luci
Praun, afirma não ter dúvida que as manifestações representam uma retomada da
liderança estudantil aos movimentos sociais, além de contar ainda com o apoio
de boa parte da sociedade.
— É uma retomada [do movimento estudantil na liderança das manifestações
populares]. Eu não tenho a menor dúvida disso.
Para ela, ainda que a luta iniciada pelos estudantes nas manifestações
recentes bastante difusa, a reivindicação contra o aumento da passagem de
ônibus é, na visão de Luci, um pretexto, “algo que catalisou um
descontentamento muito profundo” e não representa um descontentamento apenas da
juventude pelo fato de encontrar apoio de boa parte da sociedade.
— A luta do Movimento Passe Livre trouxe outras questões. Os protestos
pela redução da passagem de ônibus foram um “pretexto” e catalisaram um
descontentamento profundo que estava vivo na sociedade e se espalhou
rapidamente no País.
De acordo com o professor de ciências políticas da Unesp (Universidade
Estadual Paulista), Antônio Carlos Mazzeo, o movimento estudantil sempre esteve
presente, mas há “uma nova qualidade” nas manifestações atuais em comparação ao
período da ditadura no Brasil.
— No atual contexto das movimentações, os estudantes possuem um núcleo
forte e também são trabalhadores que expressam uma insatisfação existente na
sociedade brasileira. Isso é comprovado pelos cartazes usados. Na ditadura, os
estudantes iam às ruas e não sabiam se voltavam para a casa.
Segundo Mazzeo, a participação dos estudantes expressa uma vontade de
não aceitar mais passivamente o que lhe parecer imposto de cima para baixo, e
toma as ruas como um recado ao governo.
— O que pessoas querem dizer nas ruas aos governantes: Vocês podem fazer
o que quiserem, mas nós vamos aceitar ou não. Se não aceitarmos, nós vamos para
as ruas fazer manifestação contra o que vocês estão impondo.
Pelo mundo
Egito, Síria, Grécia, Turquia, Espanha e Portugal e Estados Unidos, com
as recentes séries de Ocuppy pelas grandes cidades, compõem uma lista crescente de países
que assistem, desde 2010, manifestações populares. As
características compartilhadas pelas movimentações incluem a utilização maciça
das redes sociais, a cobertura direta viabilizada pelas novas ferramentas
tecnológicas, as razões aparentemente pouco relevantes e cotidianas como
estopim, além da violência por parte da repressão policial.
Para Luci, o interessante da retomada de protestos, além do fato de que
muitas mobilizações sociais estão acontecendo simultaneamente em outros países,
está também no público que está nas ruas das principais capitais do Brasil,
parecido com o encontrado em manifestações em outras partes do mundo.
— Estamos vendo acontecer e o perfil dos participantes é muito parecido:
a camada jovem, que vem sendo extremamente prejudicada por uma série de
medidas, como se inserir no mercado de trabalho, empregosprecários,
e alguns entram em universidades sem condições de se manter. Enfim, é uma série
de problemas que atinge a juventude do mundo e cada país expressa da sua forma
e de acordo com o contexto de cada um.
Mazzeo não compartilha da ideia de que a inclusão de outras
reivindicações sociais nas manifestações que tiveram, como gatilho, a
movimentação contra o aumento da tarifa do transporte público, enfraquece a
proposta do MPL.
— Acho que [a inclusão de outras reivindicações] não enfraquecerá o
Passe Livre. É um elemento novo e tem um foco que é a questão das passagens.
Porém, está claro que a política desse movimento tem que se dar passo a passo,
porque engloba não só a redução da tarifa, mas também a qualidade do transporte
público e a política adotada pelos governantes.
Redução da passagem
Frederico Alexandre Hecker, professor de ciências políticas da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que a redução da tarifa
demonstra a força do Movimento Passe Livre e a oportunidade de dar continuidade
em outras causas relacionadas ao transporte público de São Paulo.
— Evidentemente a redução da taxa significa que o MPL tem força. As
reivindicações do movimento não era apenas a redução da tarifa, mas sim por
reorganizar e criar uma nova estrutura dos transportes na capital.
Hecker ainda acrescenta que “seria muito bom se tivesse uma
institucionalização do MPL.” Porém, caso se torne uma organização,
participantes das manifestações que não fazem parte do movimento podem perder o
contato com os militantes.
— Os movimentos são diferentes de organizações, partidos e sindicatos,
porque não há uma liderança hierárquica e sistematizações. Mas por outro lado
tem sempre um perigo porque, organizando uma cúpula, pode haver a perda de
contato com os participantes.
Violência
No sexto ato contra o aumento da tarifa de ônibus, na terça-feira (18),
houve casos de tumulto, vandalismo, depredações e saque na região central de
São Paulo. Durante a tentativa de invasão ao prédio da prefeitura, parte dos
manifestantes derrubou a grade de acesso para invadir o local. Outros
participantes tentavam impedir a invasão e que objetos fossem lançados.
Para Hecker, não é possível fazer a divisão dos manifestantes entre
moderados e radicais de forma tão nítida. Pela ineficiência do Estado, há uma preferência
dos participantes atacarem lugares em que estão os governantes que têm o poder
de mudança.
— Em um movimento com milhares de pessoas nas ruas, há alguns com menos
limites de conduta, ou talvez, são mais explorados pelo Estado que é injusto e
ineficiente. Muitos não têm perspectiva de emprego, educação e possibilidade de
estudar. Existe uma lógica na ação dos indivíduos que fazem parte desse
conjunto. O que eles atacaram? Em São Paulo e Belo Horizonte a prefeitura, em
Brasília o Congresso Nacional, no Rio de Janeiro, a assembleia legislativa...
Há uma preferência em atacar locais que reúnem os agentes do governo.
Hecker ressalta que não há lógica em algumas ações, como invadir
patrimônios históricos e saquear lojas. Mas, para ele, tais ações não são muito
diferentes do que acontece no dia-a-dia das grandes cidades.
— No momento que a sociedade vive, já há muita violência no cotidiano
das pessoas.
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